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Arquitetura em três tempos: centro de visitantes banco dos cajuais - Aquasis
Architecture in Three Times: Banco dos Cajuais Visitor Center – Aquasis

 

Rede Arquitetos - sócios

Bianca Feijão, Bruno Braga e Luiz Cattony

Rede Arquitetos - colaboradores

Arthur Clemente, Maria Vitória Vasconcelos, Moana Machado e

Pedro Fernandes

Aquasis

Felipe Braga

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Praia de Picos, Icapuí, Brasil 2020 - 2022 - 2024

 

 

 

"A arquitetura é, aqui, uma estrutura que pode acomodar a multiplicidade do tempo, em vez de uma barreira erguida contra as marés do tempo ou a reificação de uma única versão do tempo. A arquitetura precisa ser um cenário que permita a coexistência dessas diversas condições temporais. Não apenas o evento, mas o potencial para que o evento se sobreponha a um ritual regular. Não apenas um edifício que responde a ritmos cíclicos (da vida, das estações, do mundo), mas um que permite que estes se desdobrem contra os aspectos lineares (da decadência, da mudança). Em sua conectividade, o tempo coloca a arquitetura em uma continuidade dinâmica, consciente do passado, projetando-se para o futuro. O aqui e agora é visto não como um instante a ser satisfeito, mas como parte de um "presente expandido", ou do que pode ser designado como "Tempo Denso". E, finalmente, em sua própria potência, o tempo traz à arquitetura forças às quais ela não pode resistir — clima, sujeira, ocupação — e, portanto, deve admitir.

[...] Meu argumento aqui é que o tempo, e não o espaço, deve ser visto como o contexto primário em que a arquitetura é concebida. […] Portanto, quando sugiro o tempo como o contexto primário para a arquitetura, não é para reafirmar o mito modernista da conquista do espaço através do tempo, mas sim para estabelecer o princípio de trazer o tempo para o espaço. Ou, em outras palavras, para pensar em espaço temporalizado – espaço pleno de tempo – em vez de tempo espacializado […]"
Jeremy Till, Architecture Depends, 2009, p. 95-96, tradução nossa

Um dos grandes impactos da crise ambiental é a extinção de espécies animais. Trabalhar para manter e preservar a fauna, em especial a que está ameaçada, é um dos principais desafios que se colocam na atualidade se quisermos seguir coexistindo com a natureza. É nesse sentido que se visualiza a relevância da atuação da ONG AQUASIS – Associação de
Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos – por agir na preservação de espécies animais do nordeste brasileiro que estão ameaçadas de extinção, em especial na biodiversidade do Ceará.


Em atividade há mais de 30 anos, a ONG possui algumas sedes, dentre elas uma localizada na praia de Picos, no município de Icapuí, litoral leste cearense. Em 2020, a partir da demanda da instituição por espaços para visitação de instituições, população local e turistas, de forma a propagar o conhecimento sobre a conservação ambiental na região, começamos a trabalhar no projeto do Centro de Visitantes Banco dos Cajuais. Com orçamento e cronograma limitados, em meio à pandemia da COVID-19, o desafio de pensar esse projeto acabou sendo algo que até hoje faz parte do nosso cotidiano de atuação. Até agora, já foram construídos dois blocos: o primeiro (2020-2021) se destina a exposições, e é um pavilhão mais fechado; o segundo (2023-2024), mais aberto, se destina a reunir grupos maiores, além de dar o suporte de infraestrutura de banheiro para o complexo. Além dos blocos, a organização dos fluxos internos do terreno e o muro de acesso também foram repensados no projeto. Outras estruturas para o conjunto ainda estão em desenvolvimento e com possibilidade de execução futura. Ou seja, este foi, e tem sido, um projeto pensado ao longo do tempo. Assim, mais do que apresentar apenas os espaços que vêm sendo projetados e construídos desde então, propomos apresentar esse projeto em três tempos.​

Tempo | Construção

Um aspecto central da construção é a sua leitura por etapas, que melhor se encaixar no contexto de limitação de recursos. Em consequência, mais do que uma composição de elementos isolados, o projeto passa a ser pensado como um sistema que, em suas diversas fases, possui uma lógica pavilhonar composta de nichos que se adequam e adaptam às necessidades específicas de cada momento e programa. A primeira etapa do projeto, iniciada em 2020, foi inaugurada em 2021, e contava apenas com um pavilhão inicial de exposição e divulgação de projetos da instituição. A procura crescente pela ONG e o uso do espaço por um público cada vez maior e diverso suscitou novas demandas e melhorias para potencializar o usufruto do local. Por isso, foi pensado um plano de crescimento para o complexo, com a proposta de um anexo ao edifício original. O novo bloco, posicionado depois do centro de visitantes, remete ao bloco preexistente, com estrutura de coberta e materialidade das paredes similares. É, por sua vez, mais aberto e conta com uma estrutura mais robusta, devido aos maiores vãos. Destaca-se, ainda, a abertura na parede frontal deste bloco, gerando a vista do edifício original e das áreas verdes do entorno.

Tempo | Luz

A austeridade e a precisão tornaram-se aspectos fundamentais e viabilizadores do projeto, à medida em que ajudaram a contornar a dificuldade de acompanhamento de obras e de restrição de recursos. Assim, tiramos partido da luz como elemento compositivo, que permite diferentes apreensões dos volumes edificados ao longo do dia. Seja pela inversão entre os volumes brancos e claros que escondem pequenas aberturas durante o dia que somem à noite, dando lugar a pequenos feixes de luz artificial, seja pela posição estratégica de aberturas como o vazio quadrado no segundo edifício do conjunto, que permite a entrada de uma luz filtrada e pontual que marca a passagem do dia no espaço interno, ou mesmo nas empenas brancas que servem de anteparo para a sombra irregular da vegetação do entorno, o tempo é marcado no projeto através da luz, recurso tão abundante no Ceará. E sem custo adicional para a obra.

Tempo | Usos

Por fim, considerar o tempo na arquitetura é considerar sua dimensão de uso e apropriação. Assim, os espaços criados são imbuídos de amplitude e indeterminação, de forma a permitir que as mais diversas atividades possam acontecer. No primeiro bloco implantado, o edifício foi composto por uma sequência de nichos que receberiam as exposições, ainda a serem elaboradas pela própria equipe da Aquasis. O espaço interno, assim, respondeu mais às incertezas do processo do que a um programa detalhado, buscando qualidades espaciais para além das programáticas. No segundo bloco, a exploração de um ambiente vazio indeterminado foi ainda mais amplificada, com a criação de um grande espaço aberto, de forma a permitir a reunião de grupos maiores. Acompanhar as apropriações desses espaços e aprender com elas faz com que o projeto adquira um caráter de incompletude, não sendo finalizado na entrega na obra, mas continuando a existir e resistir, potencializando seus usos e apropriações, inclusive as mais imprevistas e improváveis.

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Architecture is here a framework that can accommodate the multiplicity of time rather than a barrier erected against the tides of time or a reification of a single version of time. Architecture needs to be a setting that allows these diverse temporal conditions to coexist. Not just the event, but the potential for the event being overlaid on a regular ritual. Not just a building that responds to cyclic rhythms (of life, of the seasons, of the world), but one that allows these to unfold against the linear aspects (of decay, of change). In its connectedness, time places architecture in a dynamic continuity, aware of the past, projecting to the future. The here-and-now is seen not as an instant to be satisfied but as part of an "expanded present," or of what may be designated "Thick Time." And finally, in its very powerfulness, time brings to architecture forces which it cannot resist — weather, dirt, occupation— and therefore must admit to.

My argument here is that time, and not space, should be seen as the primary context in which architecture is conceived. […] So when I suggest time as the primary context for architecture, it is not to reas sert the modernist myth of the conquest of space through time, but rather to establish the principle of bringing time to space. Or, to put it another way, to think of temporalized space - space full of time - rather than spatialized time […]

Jeremy Till, Architecture Depends, 2009, p. 95-96

One of the major impacts of the environmental crisis is the extinction of animal species. Working to maintain and preserve fauna, especially those that are threatened, is one of the main challenges we face today if we wish to continue coexisting with nature. It is in this sense that we recognize the relevance of the work carried out by the NGO AQUASIS – Association for Research and Preservation of Aquatic Ecosystems – which acts in the preservation of endangered animal species in Northeastern Brazil, especially in the biodiversity of Ceará.

In operation for more than 30 years, the NGO has several headquarters, including one located at Picos Beach, in the municipality of Icapuí, on the eastern coast of Ceará. In 2020, following the institution’s demand for spaces to host visits from institutions, the local community, and tourists — as a way of spreading knowledge about environmental conservation in the region — we began working on the design of the Banco dos Cajuais Visitor Center. With a limited budget and schedule, in the midst of the COVID-19 pandemic, the challenge of developing this project became something that continues to be part of our daily work. So far, two blocks have been built: the first (2020–2021) was designed for exhibitions and is a more enclosed pavilion; the second (2023–2024), more open, was designed to host larger groups and also provides restroom infrastructure for the complex. In addition to the blocks, the internal circulation of the site and the access wall were also rethought in the project. Other structures for the complex are still under development and may be executed in the future. In other words, this has been — and continues to be — a project conceived over time. Thus, more than simply presenting the spaces that have been designed and built so far, we propose presenting this project in three times.

Time | Construction

A central aspect of construction is its phased reading, which best fits the context of limited resources. Consequently, more than a composition of isolated elements, the project came to be conceived as a system that, in its different phases, follows a pavilion-like logic composed of niches that adjust and adapt to the specific needs of each moment and program. The first stage of the project, initiated in 2020 and inaugurated in 2021, consisted only of an initial pavilion for exhibitions and dissemination of the institution’s projects. The growing interest in the NGO and the use of the space by an increasingly large and diverse public gave rise to new demands and improvements to enhance the enjoyment of the place. Therefore, a growth plan for the complex was conceived, with the proposal of an annex to the original building. The new block, positioned after the visitor center, echoes the preexisting block, with a similar roof structure and wall materiality. It is, however, more open and features a more robust structure, due to its larger spans. One notable aspect is the opening in the front wall of this block, framing the view of the original building and the surrounding green areas.

Time | Light

Austerity and precision became fundamental and enabling aspects of the project, as they helped to address the challenges of construction monitoring and resource limitations. Thus, we made use of light as a compositional element, allowing different perceptions of the built volumes throughout the day. Whether through the inversion between white and light volumes that conceal small openings during the day but vanish at night, giving way to beams of artificial light, or through the strategic placement of openings such as the square void in the second building, which allows filtered and focused light to mark the passage of the day inside the space, or even through the white gables that serve as a screen for the irregular shadows of the surrounding vegetation — in all these ways, time is inscribed in the project through light, a resource so abundant in Ceará. And with no additional cost to the construction.

Time | Uses

Finally, to consider time in architecture is to consider its dimension of use and appropriation. The spaces created are therefore imbued with amplitude and indeterminacy, allowing for the most diverse activities to occur. In the first block, the building was composed of a sequence of niches designed to host exhibitions, still to be developed by Aquasis’ own team. The internal space thus responded more to the uncertainties of the process than to a detailed program, seeking spatial qualities beyond the strictly programmatic. In the second block, the exploration of an indeterminate empty environment was further amplified, with the creation of a large open space to allow for the gathering of larger groups. Observing how these spaces are appropriated and learning from them gives the project a sense of incompleteness, not finalized with the delivery of the building, but continuing to exist and resist, enhancing its uses and appropriations — even the most unforeseen and unlikely ones.

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